Durante muito tempo Eduardo foi o sujeito que frequentava videolocadoras e se retirava defronte de suas prateleiras com as mãos vazias. Nem sempre possuía dinheiro para alugar sequer uma fita. O que faltava era o videocassete em casa. Artigo de luxo, objeto caro e inacessível. O que tampouco impedia-o de visitar videolocadoras. Adorava passear por entre os seus corredores, e visualizar as capinhas, como que diante dos cartazes em uma sala de cinema. Ao contrário dos pôsteres dos filmes de hoje, que parecem quase sempre tão iguais, tão cleans, tão impessoais, percorrer os olhos por uma grande sequência de capinhas de VHS era assistir uma sucessão de slides de mundos diferentes, que no todo formavam um conjunto disforme, porém igualmente harmonioso. Uma experiência quase que cinematográfica por si só. Uma variedade de cores, expressões, semblantes, muitas vezes uma imagem que remetia a uma cena de impacto. Sorrisos, dramas, confrontos ou jornadas épicas. Costumava passear por todas as prateleiras. As de far-west, as de drama, comédia, ação, terror e suspense, nacionais, clássicos. Era uma maneira de conhecer a existência dos filmes ainda sem vê-los, de memorizar títulos e nomes de intérpretes e diretores, ler sinopses, e gravar mentalmente uma espécie de watchlist dos filmes que pretendia ver no futuro, uma espécie de fichamento. Um fichário em sua cabeça. Prometia a si próprio assistir a muitos daqueles filmes. E diante das fitas na prateleira de lançamentos, ou dos produzidos em anos anteriores, criava uma noção da produção atual do cinema mundial, ao menos uma fatia dela; e ao percorrer as capas de filmes das décadas anteriores, esboçava em sua mente quase que uma história do cinema, uma cronologia possível dentre os que estivessem disponíveis nas locadoras da cidade. Admirava ter em mãos fitas como “No Tempo das Diligências”, contemplar John Wayne e seus companheiros na capa, sabendo que se tratava da gênese estabelecida de todo um gênero. No tempo das diligências, na verdade, vivíamos todos nós.
Vez ou outra parava na frente dos documentários, e algumas vezes, na sala dos pornográficos. Nesta por curiosidade, e sempre com receio, dependendo de quem fosse o atendente, por ser menor de idade. Quando era uma mulher no balcão, e sendo mais velha provavelmente a dona do estabelecimento, pouco se atrevia a espiar a sessão de eróticos. Estando longe das zonas proibidas e perigosas, rolavam de qualquer modo constrangimentos que se tornaram típicos. Na saída, depois de em torno de uma hora conferindo prateleiras, obrigava-se a sair dando um tchau que soasse entre o simpático e o comedido. Se não estivesse presente nenhum outro cliente, ou algum conhecido do atendente conversando no balcão, tanto pior!
Procurava bater em retirada quando houvesse clientela no local, no entanto nem sempre era possível. E sabia que voltaria à locadora dentro de alguns dias, de modo que evitava sair sem um mínimo sinal de gentil despedida. Faziam parte de um grande mundo, e sempre regressava de uma ida até lá com a agradável sensação de ter viajado. Não conseguira olhar as prateleiras em toda as suas completudes; em muitas das fitas pouco se detivera, e mesmo dentre as que passara os olhos, muitas passavam desapercebidas, filmes importantes, e necessitava retornar também nas que lhe eram sedutoras, porque não gravara mentalmente todas as suas informações nas capinhas, sequer suas imagens! Era tão comum apenas Eduardo na locadora, e o atendente fingindo se concentrar em qualquer coisa, e o silêncio no qual ambos sabiam que sairia sem nada dali. Era estar em uma festa e ir embora sem ninguém o acompanhando.
Keep reading with a 7-day free trial
Subscribe to Vlademir’s Substack to keep reading this post and get 7 days of free access to the full post archives.